Educar sem bater: ato de amor e cidadania
Indisciplina, desobediência, ausência de limites, gestos mal criados, birra. Os pequenos choram e esperneiam, os adolescentes questionam a palavra de ordem e as mães muitas vezes se vêem na situação de tomar as rédeas para impor sua autoridade sobre as “reinações” dos filhos. Educar não é uma ciência exata. Frequentemente, é difícil que as mães saibam se estão acertando e qual é a melhor estratégia para repreender as crianças com firmeza, mas de forma a não deixar marcas muito profundas.
É nesse esforço de mostrar quem dita as regras e as conseqüências de descumpri-las que a palmada pode aparecer como ferramenta “educativa”. Esta prática é uma tradiçãoorte no seio familiar, basta perguntar aos pais e avós como eram punidos quando desobedeciam aos pais para constatar que o castigo corporal era praticamente regra.
Ser uma mãe “do tempo da palmatória”, porém, não quer dizer que necessariamente se queira repetir a maneira como se foi educado. “Prefiro gastar saliva. A conversa vale mais do que o tapa, apesar de que até conversar está difícil”, dizem as mães Lucilene Martins e Daniela. E reforçam que “não é porque eu apanhei que meus filhos tem que apanhar”.
A maioria das entrevistadas disseram ser contrárias a bater nos filhos, mesmo que todas concordem que antes era diferente. “Só de meu pai me olhar…”, diz Maria dos Santos, afirmando que um olhar paterno já servia para que os filhos soubessem que estavam fazendo algo de errado. Hoje, o modelo autoritário de criação já não dá resultados: os filhos são muito mais questionadores em relação ao que podem ou não fazer, querem justificativas para os limites impostos. Mas as mães dizem preferir dialogar ou aplicar um castigo a apelar para a violência.
Mesmo opinando contrariamente em relação a esse modo de educar as crianças, quase todas também disseram que “um tapa não faz mal”. A ideia defendida pelas moradoras é que não deve haver exagero no uso da força, “se a palmada for dada, deve pretender educar, não machucar”.
A psicóloga Elizabete Iga não concorda com esta ideia. Ela diz ser fundamental impor-se em relação à criança, passar certeza e coerência na repreensão: deve ficar claro para a criança ou adolescente, até pelo tom de voz usado, que a palavra dos pais daquele momento é definitiva.
É muito importante, além disso, haver coerência entre mãe e pai, os dois têm que estar em sintonia. Diz também que “a maioria das pessoas não sabe lidar com limite” e além disso, através do tapa, pode estar descontando nos filhos uma raiva ou agressividade acumulada por outras razões.
Sobre os efeitos do tapinha, diz ainda que os pais devem se lembrar de que estão formando uma pessoa e suas ações na hora de educar podem repercutir muito no desenvolvimento dela. “Se você é agredido, a chance de agredir na idade adulta é bem maior”, porque por processos de que não tem consciência acaba reproduzindo o que aprendeu.
Isto vale tanto para o filho educado por esses métodos hoje quanto para os pais criados num modelo diferente, mais autoritário, como Anita da Cunha que diz agradecer as surras que levou do pai, pois acredita que bater ensina e a mãe tem que ter voz ativa. Com relação à violência psicológica (a prática de dizer insultos, desmoralizar ou chantagear na tentativa de ensinar), ela também é prejudicial pois, segundo Elizabete, o que os pais dizem tem um peso muito importante e repercute profundamente.
Assim como as mães são remanas, que mesmo quando contrárias à punição física não se colocaram a favor da lei que pune a violência doméstica contra a criança (a chamada Lei da Palmada), a psicóloga diz acreditar que ela “não funciona porque primeiro os pais precisam entender por que não bater.” O castigo, ou seja, privar a criança de algo que ela goste, é aceitável do ponto de vista da psicologia, desde que as mães saibam dosá-lo de acordo com o que o filho fez .
Elizabete Iga admite que “não existe receita, existe a mãe competente” que sabe a hora de dizer não, sem que seja preciso usar a força para fazer valer a proibição.
Por: Juliana Lima