Campeonatos ZAP! de Poesia Falada celebram cultura urbana

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Com alto grau de engajamento, poemas impressionam o público presente

Zona Autônoma da Palavra –ZAP!– é o nome do primeiro campeonato, ou Slam, de declamações performáticas de poemas em território nacional. Os encontros, inaugurados em dezembro de 2008, acontecem toda 2ª quinta-feira do mês na sede do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, coletivo de artistas focados na formulação do “Teatro Hip-Hop”, diálogo entre encenação épica e cultura popular urbana.

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A homenageada na noite, Dona Edith, do Sarau da Cooperifa, recebe flores

A idealizadora do Slam é Roberta Estrela D’Alva , formada em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da USP e uma das fundadoras do Núcleo. A artista chegou à final da Copa do Mundo de Poesia Falada de 2011 em Paris, conquistando o terceiro lugar, e ganhou o Prêmio Shell 2012 na categoria Melhor Atriz. Leia, nesta página, o depoimento de Estrela D’Alva sobre a fundação da ZAP!.

As regras da disputa são declamar por rodada uma poesia de autoria própria. Acessórios extras, como figurino ou fundo musical, são vetados. O poeta tem 3 minutos para recitar, com tolerância de 10 segundos. Após esse tempo, um ponto é descontado da nota final a cada 10 segundos excedidos. O júri, formado por cinco pessoas, é escolhido entre a plateia presente. As notas variam de 0,0 a 10,0. Como há três rodadas, o participante deve preparar três poemas, que serão declamados à medida que for passando de fase. A segunda etapa é disputada pelos cinco que obtiverem as melhores notas. Destes, três vão para a final. Os prêmios incluem livros, CDs e DVDs, entre outras recompensas culturais.

 

Depoimento de Estrela D’Alva sobre a fundação da ZAP!:

“Eis que, finalmente, o projeto sai do papel e ganha vida!

Há algum tempo, vínhamos falando sobre fazer uma noite de “poesia falada” no Bartolomeu, porque tem tudo a ver com a nossa pesquisa e já era algo que estávamos desenvolvendo nos nossos espetáculos.

Na Frente 3 de Fevereiro (outro coletivo do qual também faço parte), foi onde ouvi falar, pela primeira vez, em “slam” e “spoken word” (fizemos o espetáculo “Futebol”, que era inteirinho nessa linguagem). Assisti ao filme “Slam”, com o inacreditável “slammer” Saul Williams (que exibimos nesse primeiro ZAP!), e ao documentário “Slam Nation”, em que vi, pela primeira vez, o tamanho da “coisa”.

Entre 2007 e 2008, dentro de um projeto do Núcleo Bartolomeu chamado “Particularidades Coletivas”, fui pesquisar sobre o assunto.

Dei uma procurada por aqui e vi que ainda não tinha ninguém fazendo Slams no Brasil. Tive a oportunidade de ir até o “Sarau da Cooperifa” fazer o lançamento do documentário “Zumbi somos nós”, com a Frente 3 de Fevereiro. Era um lugar do qual eu só havia ouvido falar e que achei simplesmente incrível, de uma diversidade impressionante. “Povo lindo, povo inteligente”, como bradava o Sérgio Vaz, um dos organizadores do sarau.

Fiquei sabendo de vários saraus, de várias iniciativas legais envolvendo poesia, mas continuei não encontrando nenhum Slam.

Em julho de 2007, numa viagem a NY, tive a oportunidade de conhecer um Slam ao vivo e em cores. Estive no Nuyorican Poets Café e no Bowery Poetry Club, dois dos mais tradicionais clubes de poesia (e de Slam) da cidade e pude ver de perto as batalhas. Descobri que existem mais de 500 comunidades de Slam no mundo inteiro, nos países mais diversos.

Fiquei com muita vontade de fazer um Slam no Brasil e –um ano depois, após a estréia do projeto “Particularidades Coletivas”, do qual o meu solo de spoken words “Vai te Catar!” fazia parte– eis que inauguramos a Zona Autônoma da Palavra, o “ZAP!”.

O sensacional foi que, logo de cara nesse primeiro, o povo compareceu em massa. O “baguio” bombou! Tivemos 13 inscritos para a batalha.

O clima foi de festa e parecia que a gente já fazia isso há anos. Parecia até que todo mundo se conhecia, embora muitas das pessoas que estiveram por lá eu jamais tivesse visto na vida. Todo mundo ficou a vontade e até o repórter do Metrópolis, que foi lá pra cobrir o evento, empolgou-se e decidiu participar de última hora.

Foi realmente muito legal ouvir o que os corações tinham a dizer e deu vontade de fazer mais e mais.

Os competidores da noite foram: Hugo, Emerson, Luciano, Thomas, Gal Quaresma, Carlos Alberto, Cidão, Carlão, Paulo Vinícius, Pedro Queiroz, Lilian, Debora, Ana paula.

O “Zapeão” foi o Luciano, que levou pra casa o prêmio: Livros ,livros! livros!

Foi uma noite memorável e, com certeza, a primeira de muitas.

Vida longa ao ZAP!.”

 

Campeão da edição nacional defende a divulgação alternativa de poesias

A última edição nacional da ZAP! fez parte do evento AuTORES EM CENA, realizado no Instituto Itaú Cultural, à Avenida Paulista, no dia 14 de abril. No Slam, que contou com uma homenagem especial àDona Edith –organizadora do Sarau da Cooperifa–, nove jovens autores de diferentes cidades brasileiras protagonizaram uma disputa poética instigante. Todo o poder da palavra foi explorado em poemas reveladores de denúncias sociais, de engajamento político, de críticas às mazelas urbanas. O campeão foi Allan Jonnes, de Aracaju, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Leia, a seguir, a entrevista com ele e o texto-poema que declamou na final do Slam nacional da ZAP!.

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Roberta Estrela D’Alva entrega premiação ao campeão Allan Jonnes

NJSR – Como você soube do Slam “ZAP!”?

Allan – Em novembro do ano passado, eu participei, a convite do escritor e editor Marcelino Freire, de uma edição da ZAP! na Balada Literária em São Paulo. Acabei ganhando a competição. Em seguida, o Marcelino convidou poetas de diferentes cidades do Brasil para participarem desse Slam nacional. Eu fui representando Aracaju.

Você já publicou algum livro com suas poesias? Qual sua opinião sobre o mercado editorial de poemas?

Para ser sincero, eu nunca tentei. Embora goste muito da palavra escrita, tenho uma relação muito mais sonora com os versos. Acredito que, além do mercado editorial, há outros meios de veiculação de poesias. Antes de lançar uma publicação, eu penso em alimentar um canal no YouTube com meus poemas em áudio e vídeo. Não dispenso a possibilidade do livro, mas tenho a necessidade de ver tudo saindo do papel por meio da minha própria voz.

Como ganhador do Slam nacional, você tem alguma dica para passar aos poetas do Jardim São Remo?

Sim! Participem de saraus e Slams, leiam muita poesia e deem vazão à produção poética. Tirem as poesias da gaveta e mostrem-nas às pessoas. Mais importante que participar dos Slams é dizer o que tem vontade, seja em uma poesia, em um depoimento ou em uma história qualquer. Aliás, as competições são de palavra falada, e não só de poesia. Enfim, a dica é esta: procurar esses espaços, intervir, “inter-agir” e dizer poesia às pessoas.

Texto-poema de Allan Jonnes declamado na final do ZAP! nacional:

“Eu, que pretendo solene dispor cuidadosamente das palavras a fim de não desrespeitar quem não mereça, venho, em nome de toda autoridade que eu não tenho e nem preciso, pedir-lhes que deem fé a este comunicado:
Que fiquem, a partir de agora, desinterditados o carinho e a safadeza entre:
As cidadãs e as outras cidadãs das cidades
os cidadãos e os outros cidadãos 
a cidadona e seus cinco cidadãos
a outra cidadã e os seus oito cidadãos
o cidadão e suas 17 cidadãs infláveis…
O porteiro do prédio e o limpador da piscina do prédio. Seja na portaria ou na própria piscina do prédio, que não tem porta e, sendo assim, fica mais fácil de tomar banho escondido e abraçado na água morna, cantarolando as canções de Andaluzia que aprenderam às 05:15 da manhã com seus companheiros de orelha.
Que se desproíba também a vendedora de salada de frutas e a mulher que saliva ao ouvir o sininho pendurado na moto da vendedora de salada de frutas. A mulher que desce as escadas com água na boca, e toca mais uma vez o sininho, e saliva. E sorri. E sonha subir naquela moto e correr por todas as ruas do mundo, correr até que se acabe o petróleo que fabrica a gasolina, só para que elas possam ficar perdidas em qualquer asfalto longe, só para que elas possam tocar aquele sininho o mais alto que puderem, até as mãos se desmancharem, para que todo mundo saiba que, há quatro meses, elas nem aguentam comer mais a salada de frutas. É que elas salivam, e que sorriem e que se encontram mesmo é pela língua da boca uma da outra. E pelo som delicioso que elas juram escutar daquele sininho. 
Que a juíza de Direito Maria Aparecida dos Santos possa finalmente usar em algum porta-retrato o presente que ganhou da travesti Vivian Lolita: uma foto em que se abraçam e uma dedicatória em que se diz “Maria, desculpe a falta de decoro, mas é que eu não vejo a hora de sair do teu armário, me leva pra rua, lembra? É só a parte de fora do meu peito é que não é de verdade. Que fique permitido o nosso abraço”.  
Que a partir de agora fiquem terminantemente permitidos todos os abraços. Os abraços dos braços ou os abraços das pernas. Sejam essas pernas cabeludas ou raspadas. Pretas ou brancas. Listradas ou Azuis! 
E que a única coisa que fique terminantemente condenada seja o desrespeito e a utilização de métodos de estiramento capilar na cabeça de pessoas como o Excelentíssimo Senhor Deputado Pastor Presidente da Comissão de Direitos Humanos deste país. Condene-se o preconceito contra os cabelos que nascem duros e contra os paus que ficam duros pelo que quer que seja! Contra o amor ou contra o cu de quem quiser que exista. Fiquem eles proibidos. E quanto aos outros e outras, que continuem fodendo e lutando por dias mais bonitos.”

Mais informações para quem quer participar dos encontros:

Núcleo Bartolomeu de Depoimentos:

Rua Dr. Augusto de Miranda, 786, Vila Pompéia, (11) 3803-9396

Toda 2ª quinta-feira do mês, entrada franca

 

Sarau da Cooperifa:

Rua Bartolomeu dos Santos, 797 (Bar do Zé Batidão), Jardim São Luís, (11) 5891-7403

Toda quarta-feira, às 20h30, entrada franca

Por Mauro Barbosa Júnior

 

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