A Educação e o sistema de reprovações
Diretora da FEUSP comenta a qualidade de ensino e o sistema de reprovações nas escolas
Lisete Arelaro é diretora da Faculdade de Educação da USP. Foi secretária de educação no município de Diadema entre 1993 e 1996 e entre 2001 e 2002. Aqui ela questiona se implantar a reprovação irá melhorar a qualidade de ensino e aponta outros problemas a serem enfrentados.
Como você enxerga a questão da aprovação automática?
O normal do processo educativo é a aprovação. Uma escola de qualidade não chega a pensar nessa questão. A reprovação é um indicador de má organização do sistema de ensino, das condições de trabalho dos professores e de estudo dos alunos. É uma situação que vivemos hoje.
Demorou muito para se admitir que o problema estava na escola. Estava muito mais nas condições de trabalho, em como se organizava o ensino, do que propriamente na incompetência ou mau desempenho dos alunos como responsável maior quanto a essas reprovações.
Por que você acha que a aprovação automática foi criada?
A discussão sobre a aprovação automática, num primeiro momento, é realizada no final dos anos 1950. O que se teve no Brasil (e esse é um dos temas mais difíceis de se discutir) dos anos 1990 para cá, foi um ingresso do chamado Neoliberalismo, que dizia que o Estado já estava grande o suficiente e, portanto, que já estava na hora do início do repasse das atividades do público para o privado. Ou seja, tivemos uma redução do investimento no sistema público e a discussão da aprovação automática foi feita a partir deste momento, muito mais por economistas do que por pedagogos. A reprovação era um mal investimento, porque você ocupava cadeiras a mais, e precisava contratar mais professores. Portanto, os governos no Brasil passaram a gastar muito menos na educação do que deveria.
E a questão da progressão continuada, como alternativa ao fim da aprovação automática?
Estamos discutindo conceitualmente o que é progressão continuada. E nela, não tenha dúvida nenhuma de que precisa de mais dinheiro, de mais tempo do aluno na escola, de livros, de novas experiências, de um laboratório que contribua na concepção dessas novas experiências, para que o aluno possa entender as coisas de uma outra maneira.
A progressão continuada parece dar oportunidade de se analisar um aluno em longo prazo? Pergunto isso porque avaliar um aluno em menos de 12 meses parece ser insuficiente.
Sim. Avaliar um aluno não significa reprová-lo. Avaliação é fundamental. Porque existe um problema na questão da reprovação do aluno na 6ª, 7ª, 8ª e 9ª séries.
O governo municipal está falando nessa cartilha da criação de três tipos de ciclos. Mas não dá para ter aprovação automática em séries específicas e não nos ciclos. Então assuma que é “série”, porque eu não vejo nenhum problema em ser um sistema híbrido de séries e ciclos.
Qual a sua visão da nova divisão do Ensino Fundamental em ciclos, proposta pelo programa Mais Educação?
O primeiro ciclo é o da alfabetização (da 1ª a 3ª série), o segundo, ciclo intermediário, chamado interdisciplinar (da 4ª a 6ª série), reconhece que é um problema para a criança passar de uma sala que tem um só professor a maior parte do tempo, para uma onde existe um professor para cada disciplina. Até aí a proposta caminha bem. Mas o último ciclo, que estão chamando “autoral” (7ª a 9ª série), é muito pomposo, porque “autoral” é algo que carregamos consigo desde que nascemos.
Mas eu considero um retrocesso a reintrodução da reprovação nos anos finais de formação no ensino fundamental. Isso acontece, na minha opinião, em um momento bastante complicado.
Como você vê as condições de trabalho e salário do professor?
Um professor de escola pública tem condições de se dedicar apenas a uma escola, como nas Universidades? Não, em geral ele tem dois empregos porque o salário é baixo.
Como motivar a formação de novos professores? Não formamos educadores suficientes. Até formamos, mas eles sabem das condições de trabalho que irão encontrar e não se interessam por serem professores, sobretudo nas escolas públicas.
O modelo lançado pela prefeitura pode melhorar a qualidade do ensino?
O processo de remodelação é lento. O que eles estão fazendo não melhora a qualidade.
Um governo tem um tempo limitado, mas não dá para apresentar isso como um “pacote”. E todo pacote em educação é fadado ao fracasso. Quando reprovo, digo “esse aluno não tem jeito”. É como se o professor pensasse: “fiz tudo o que era possível”. Fez tudo o que era possível? O grupo de professores fez tudo o que era possível?
A participação dos pais no processo de aprendizado é importante para que seja possível complementar e preencher lacunas do sistema educacional?
A participação dos pais é sempre importante, e professores e as escolas públicas há tempos deixaram de chamar os pais para conversarem sobre a questão do processo pedagógico que se desenvolve nas escolas. É necessário um outro tipo de relação da família com a escola. Uma relação mais próxima, menos sofrida. Não é só chamar na hora em que a situação se complica que se está fazendo o correto.
Vinícius Crevilari