Diversidade sexual: da vida para as telas

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O cartunista Laerte discute a caracterização LGBT na mídia e a discriminação no cotidiano

O renomado cartunista Laerte, 63, que revelou sua transexualidade há 4 anos, fala sobre sua trajetória e desafios do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

NJSR: Quando e por que você decidiu passar a se vestir como mulher?

Laerte: Eu não me visto como mulher. Eu também tinha essa noção de que estava me vestindo como mulher, até que percebi que vestir-se como homem ou mulher são criações culturais, convenções. Se estou me sentindo uma mulher, me visto como me sinto melhor.

Você já sofreu preconceito?

Eu tenho enfrentado situações muito variadas e tenho sentido muita transformação não só ao meu redor como em mim mesma. Eu vivo em um meio que é preconceituoso, eu inclusive pratico preconceitos. O problema do preconceito não é a mera existência de ideias prévias, mas quando ele não se modifica em confronto com a realidade. O machismo determina que homens têm um comportamento definido que inclui também o desejo por mulheres. Se um homem que nasceu com a genitália masculina manifesta comportamentos que não parecem masculinos, o machismo cataloga essa pessoa como “viado” ou homossexual, porque é um pensamento binário: homem ou mulher, hétero ou homossexual, tudo se encaixa em apenas dois lados. O que se passa na realidade é que a quantidade de possibilidades humanas no quesito gênero e orientação sexual é muito grande.

O que você defende, como participante do movimento LGBT?

Eu defendo o fim da discriminação e da negação de direitos para uma parte da população. Se você achar que parte da população não tem tanto direito assim porque são casais de pessoas do mesmo sexo, pretos, índios, pobres ou porque moram na favela, não há mais direitos universais. São direitos de todos, poder escolher o nome adequado a sua identidade de gênero, contrair matrimônio com quem lhe pareça melhor, adotar crianças, não ser demitido(a) por sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Deveriam haver políticas públicas para combater a discriminação? O que você acha dos kits anti-homofobia que seriam disponibilizados pelo governo em escolas públicas?

Tem que ter leis específicas pra isso sim, da mesma forma que foi necessário pro racismo. A última proposta foi o projeto de lei 122 que sofreu derrota no Congresso, mas que a gente continua lutando pela aprovação. Eu acho que a questão LGBT deve ser objeto de atenção dos educadores. No kit em questão, eu acho que os filmes foram elaborados de forma meio apressada. Poderia ser mais bem pensado.

As relações gays têm ocupado mais espaço na mídia, como nas novelas e no cinema. Como você vê a representação dos personagens?

O que tem acontecido revela a preocupação dos donos de mídias. E isso é positivo. Mas o que é positivo mesmo é a movimentação real que faz com que isso aconteça. Volta e meia eu vejo um personagem gay; acho que é um estereótipo, o amigo gay da heroína, uma espécie de clichê de comédia. A caricatura é o contrário de quebrar preconceito, é a reafirmação deles.

“Amor à vida” trouxe o primeiro beijo gay numa novela da Globo, causando grande repercussão, mas o SBT foi o pioneiro a filmar esse tabu nas novelas brasileiras em 2011, com “Amor e revolução”. Você chegou a ver as cenas? O que achou?

Não vejo novela há muito tempo. Considerando o modo que o preconceito se constrói no Brasil, [o beijo] entre homens é mais difícil porque enfrenta a concepção machista, que admite duas mulheres se beijando, desde que sejam lindas. O difícil é conquistar o espaço social de poder beijar seu namorado em público; dois homens, dentro de um bar, trocarem carinhos que nem os casais héteros. Isso é um grande problema que acontece todo dia, donos de bares reprimirem, e mesmo expulsarem do lugar.

Em 2014 aconteceu a 18ª Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo. Qual a importância dessas manifestações?

Especialmente no caso brasileiro ela tem se traduzido em uma manifestação muito ampla. É muito comum pessoas que não se consideram nem L nem G nem B nem T irem lá e participarem da festa, e isso eu acho um fato da maior importância.

Barbara Monfrinato e Roberta Vassallo

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